sábado, 18 de fevereiro de 2012

"Histórias Cruzadas" aborda os estereótipos do universo feminino e o preconceito racial

No filme “Histórias Cruzadas” (The Help) temos de um lado a retratação do universo das mulheres negras nos anos 60, no Mississipi, sul dos Estados Unidos. Uma época na qual o racismo imperava de forma cruel, incluindo a presença de um grupo de extermínio racial, a Ku Klux Klan. Essas mulheres negras eram conduzidas a função de empregadas domésticas por falta de oportunidades e faziam sacrifícios de todos os tipos para não deixarem que seus descendentes declinassem para o mesmo destino. Em tal condição, numa época em que o preconceito racial não era visto como crime, essas mulheres eram tratadas da forma menos digna possível, isso incluía a construção de banheiros fora da casa dos patrões com o argumento de que os brancos não podiam usar o mesmo vaso sanitário dos negros porque pegariam doenças.

Do outro lado da história, observamos o universo das mulheres brancas que eram destinadas a encontrar um marido, formar família muito cedo e engravidar rapidamente. Mas, por terem filhos jovens demais, acabavam passando a responsabilidade de cuidar das crianças para as negras que cuidavam da casa. Eram essas governantas que tentavam ensinar algum valor para essas pobres criaturas, praticamente abandonadas por suas mães, que ao delegarem suas tarefas, viviam apenas preocupadas em se empetecarem para fazer participação em eventos sociais da elite americana. Assim, essas mulheres adentravam em um universo no qual a futilidade, o histrionismo, a histeria, a falsidade e a beleza superficial predominavam. Eram moças que apenas mantinham as aparências para corresponderem a uma sociedade hipócrita e excludente. Ao retratar o universo das mulheres brancas de forma caricata e exagerada, o diretor Tayte Taylor criou o contraponto perfeito ao universo doloroso e difícil das mulheres negras.

“Histórias Cruzadas” é um filme que tem como mote o preconceito racial e a consequente violência advinda desse sentimento, no entanto, vai além disso ao abordar as nuances do universo feminino. O filme nos faz pensar sobre a condição a que muitas mulheres foram destinadas em nossa sociedade. Ao serem lançadas a posição de donas de casa com a função principal de cuidar dos filhos, atender ao marido e reunirem-se em chás e eventos beneficentes com as amigas, as mulheres tiveram por muito tempo a marca do esvaziamento em suas vidas. Se observarmos atentamente o mundo atual veremos resquícios fortes dessa condição ainda presentes. Mesmo depois da emancipação feminina, os estereótipos desse universo ainda prevalecem. É no elenco de atrizes que o filme encontra sua força e é incrível como todas estão muito bem em cada papel a que foram destinadas. Geralmente, filmes com muitas personagens tendem a ficar confusos ou alguns papéis se tornam irrelevantes, felizmente isso não ocorre em "Histórias Cruzadas".

Emma Stone não faz feio no papel de Skeeter, uma jovem a frente de seu tempo e indignada com tantos maus-tratos impostos aos negros. Jessica Chastain, indicada ao Oscar 2012 de atriz coadjuvante, interpreta uma dona de casa fútil que não consegue engravidar e acaba hostilizada pelas outras mulheres fúteis da cidade. Essa personagem seria a outra contraparte do destino a que Skeeter estaria condenada, caso não tivesse deixado a pequena cidade e ingressado numa universidade ainda na adolescência. Alisson Janney, rouba discretamente algumas cenas do filme, ela está ótima como a mãe de Skeeter que vive empurrando um namorado para a filha. Bryce Dallas Howard se encaixou muito bem no papel da mulher fútil-mor, ela seria aquilo que mais poderíamos aproximar de uma vilã clássica. Sua personagem é quase tão má quanto uma bruxa de contos de fadas, mas isso não atrapalha em nada a condução do enredo. Mas são as interpretações de Viola Davis como uma mulher marcada pela dor da perda do filho e Octavia Spencer como uma empregada mal-humorada, que o filme tem as cenas mais engraçadas e emocionantes. As interpretações delas suplantam todas as outras por melhores e mais divertidas que elas sejam. As duas foram nomeadas ao Oscar 2012, Viola na categoria de melhor atriz e Octavia em atriz coadjuvante. São duas atrizes negras da melhor qualidade e foram merecidamente indicadas.

Apesar de abordar questões difíceis, “Histórias Cruzadas” não se deixa levar pela secura de seu assunto. É um filme para rir, pensar, refletir e se emocionar. A produção não deixa de lado sua aura de entretenimento, tem lição de moral e sentimentalismos em excesso em algumas cenas, mas, mesmo assim, não deixa de ser um excelente trabalho. Afinal, não dá para ser indiferente as questões que o filme abarca. O longa-metragem, ainda que em breves linhas, também trata da força da escrita como forma de libertação: ao narrar os maus tratos e preconceitos sofridos pelas patroas, as empregadas ganham voz numa sociedade repressora apinhadas de seres humanos com um dos sentimentos mais terríveis e desprezíveis do mundo: o preconceito.

Indicações ao Oscar 2012:
Melhor Filme
Melhor Atriz: Viola Davis
Duas indicações para melhor atriz coadjuvante: Octavia Spencer e Jessica Chastain

2 comentários:

  1. Nossa Flavinho, acho que já estou absorvendo seu bom gosto por filmes!!!Eu já estou com esse filme aqui em casa pra ver!!Adivinhei que era bom!!
    E vc sempre dando excelentes dicas!!!
    bjinhos

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  2. Obrigado pelo "bom gosto" (rs). Lê, veja o filme é divertido e sensível. Depois me fale sobre suas impressões. Beijos!

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