domingo, 30 de junho de 2013

Faroeste Caboclo: mais que uma transposição de artes.

            
            Adaptar um romance, uma peça de teatro ou uma música para a linguagem do cinema é sempre uma tarefa difícil. Primeiro porque é preciso lidar com as dificuldades inerentes à própria obra e depois é preciso enfrentar os fãs que geralmente são inflexíveis no que concerne às mudanças feitas no original. O que dizer então de uma adaptação de uma das músicas mais emblemáticas do rock nacional e que foi eternizada pelo grupo Legião Urbana?

      Faroeste Caboclo, a música, sempre teve um viés cinematográfico assim como muitas outras canções da Legião Urbana. Ao ouvi-la, é como se estivéssemos acompanhando um filme que narra a saga de João de Santo Cristo que “deixou para trás todo o marasmo da fazenda” e foi tentar a vida na cidade grande, mas precisamente em Brasília onde “ele ficou bestificado com a cidade”. Lá, ele tenta a vida como carpinteiro “mas o dinheiro não dava para se alimentar”. Então, encontra um parente chamado Pablo, “um peruano que vivia na Bolívia e muitas coisas trazia de lá”. O traficante logo lhe arruma um servicinho e daí em diante João torna-se traficante. É preso “e pro inferno ele foi pela primeira vez” sofrendo “violência e estupro de seu corpo”. Na capital federal conhece Maria Lúcia “uma menina linda” e se apaixona. No entanto, Jeremias “o traficante de renome” decide acabar com João e o embate representado como um faroeste americano é exibido pela mídia “que deu noticia do duelo na tv” e por fim Santo Cristo é santificado pelo povo “porque sabia morrer”. A música fazia críticas sociais e crítica ao governo e mostrava a descida ao inferno do personagem criado por Renato Russo. Escrita em 1979 e lançada em 1987, muitas rádios à época tiveram dificuldade de tocá-la por causa de seu conteúdo polêmico e pela longa duração.

            Faroeste Caboclo, o filme, fez uma conversão não linear e os milhares de fãs podem chiar com esse procedimento não muito fiel. Fabrício Oliveira encarna o João de Santo Cristo. Negro, vindo do sertão onde perdeu a mãe para a seca e o pai foi assassinado por um soldado. Desde cedo, João viveu em um mundo de perdas, dores e sofrimento. Logo no inicio da projeção, a câmera foca nos olhos sofridos do protagonista em close-up na tela. Depois, assistimos a uma cena na qual ele joga um balde num poço para pegar água. Ele puxa a corda e quando tem o recipiente novamente em mãos não há nada. O balde está vazio, seco. A cena é uma excelente metáfora da própria vida daquele homem brutalizado desde criança.

            Uma das grandes modificações feitas pelo roteiro de Victor Atherino e Marcos Bernstein foi em relação ao final da canção. Eles preferiram deixar de lado o espetáculo para dar lugar à tensão trágica. No filme não há registro feito pela televisão durante o duelo do personagem principal e seu grande rival. E isso aconteceu justamente porque Faroeste Caboclo, o longa-metragem, não é a história de um único homem que ganha fama pela sua coragem e sua falta do medo de morrer. Trata-se da história de muitos homens que, tanto quanto João, são tragados pelo sistema, pelas desigualdades sociais e pela desumanidade da violência. A preferência aqui não é morrer como uma celebridade mas como anônimo, assim como todo homem vilipendiado pela vida.

Essas escolhas do roteiro são bastante acertadas e unem-se as atuações visivelmente esforçadas de todo o elenco. Isís Valverde, famosa por suas personagens voluptuosas e exageradas na televisão, encontrou um tom de atuação mais comedido e acertou mais do que errou com sua Maria Lúcia, estudante de arquitetura e filha de um senador de Brasília interpretado por Marcos Paulo em seu último papel antes da morte em 2012. No elenco ainda há as presenças de Flavio Bauraqui como o pai de João e Antônio Calloni caricaturado como um policial corrupto. A direção do estreante René Sampaio é interessante por privilegiar um produto audiovisual mais autoral fugindo da armadilha de ser um videoclipe estendido. O que ficou perceptível durante toda a exibição foi o esforço da produção de fazer algo digno e não apenas mais uma produção para atrair os fãs da Legião Urbana. Decisão que seria mais fácil de ser tomada visando o sucesso do grupo que, depois de décadas, ainda tem muitos fãs e força vital para conquistar as novas gerações. 

A fotografia de Gustavo Hadba é outro elemento bem realizado no filme e que ajuda a contar essa história brutal, verdadeira e cruel de um sujeito que, mesmo tentando seguir por um caminho honesto, acaba se desviando para uma vida de bandido porque simplesmente não consegue sobreviver. Impossível ficar indiferente a todo o sofrimento e violência sofridos pelo herói trágico da película. O incômodo que nós sentimos como espectadores ao vermos a desgraça de Santo Cristo foi muito bem representado numa cena na qual Maria Lúcia vai visitá-lo na cadeia e o encontra surrado. A jovem espanta-se diante da situação, saí calada da delegacia. Na porta de saída, a câmera a filma caminhando para a rua, destorcida e fora de foco sob forte luz do sol como se estivesse se desintegrando, mal conseguimos vê-la. A cena reflete bem o impacto que ela sofrera diante daquilo que acabara de ver. A mensagem é clara: mesmo não sendo a vitima, o mundo nos desintegra o tempo todo.

Faroeste Caboclo não é um filme perfeito. Muitas vezes tem um ritmo irregular. Porém, sem se deixar levar pela necessidade de fazer uma adaptação fiel, acaba por nos mostrar muito mais que uma mera transposição de artes. Mostra-nos um Brasil violento do sertão até às grandes cidades. Uma terra que assim como nos filmes de faroeste a única lei é a da sobrevivência. Não é à toa que o diretor não economiza na violência extremada, nos assassinatos cruéis e nos palavrões. (Isso pode incomodar boa parte da plateia mais conservadora). O clímax, o duelo de João e Jeremias que emula um faroeste, não se esqueceu de utilizar-se de todos os recursos próprios do gênero: os close-ups nos olhos dos oponentes, a caminhada que gera a expectativa do tiro final, a trilha-sonora, a Winchester-22 e o desfecho violento. Ao final, depois de ouvirmos os acordes da música adaptada permeando muitos momentos da produção, o público é presenteado com a música na íntegra que, com seus quase dez minutos, encerra o filme.

terça-feira, 4 de junho de 2013

As séries mais bem escritas de todos os tempos

A associação de roteiristas americanos (Writers Guild of America) elegeu as 100 séries mais bem escritas de todos os tempos. Como em toda lista, ausências são sentidas. No entanto, julgar as séries mais bem escritas é, definitivamente, uma tarefa difícil. Os Estados Unidos vem ao longo de décadas exercitando a escrita de roteiros para seriados e atualmente vive seu auge de talento e criatividade. Não é à toa que muitos críticos especializados andam ovacionando os roteiristas de televisão em detrimento dos roteiristas de cinema alegando haver uma crise de ideias originais na sétima arte enquanto a televisão vive seu momento mais próspero.

De fato, as séries americanas conquistaram seu lugar no mundo e no coração de milhões de espectadores mundo afora. Quem não tem ao menos uma preferida? No Brasil, país essencialmente noveleiro, o formato de seriado vem ganhando nos últimos anos novo fôlego. Muito disso se deve a nova lei que impôs pelo menos 3 horas de programação nacional em horário nobre na tv a cabo. Canais como Multishow e GNT vem produzindo para o horário programas que muitas vezes deixam a desejar mas que têm chamado a atenção do público e da crítica para um filão poderoso junto à audiência. “Sessão de terapia”, dirigida por Selton Mello, mostrou o potencial que nós temos para realizar bons programas episódicos.

O investimento no gênero é algo que a Rede Globo vem fazendo de forma regular há um bocado de anos com destaque para as comédias. É bom lembrar que, apesar da superficialidade da maioria de seus programas, tivemos no mesmo canal programas de qualidade como a série “Mulher” estrelado por Eva Wilma em 1999 e recentemente “A Cura” de João Emanuel Carneiro. Nos dias que correm, há um verdadeiro boom das séries em todo o mundo e muito desse sucesso tem como aporte a internet, arma poderosa para o sucesso ou fracasso de qualquer programa. “Dexter”, “Game of Thrones”, “Walking Dead”, só para ficar com alguns exemplos, têm se transformado em grandes febres mundiais.

Desde muito novo acompanho esse tipo de programa em sequência realizado com dedicação e recorrência pelos roteiristas e diretores americanos e tenho observado como, ao longo do tempo, a técnica foi sendo burilada. É óbvio que não assisti a todas as séries mencionadas na lista e de muitas tenho apenas uma vaga lembrança na memória. Na lista, há alguns seriados que não considero tão bem lapidados no quesito escrita, mas sei que toda lista, por mais imparcial que queira ser, acaba por levar em conta gostos bastante pessoais. Contudo, pensando em texto criativo, narrativa que prenda a atenção e originalidade, que acredito serem alguns dos critérios utilizados para a seleção, eis que listo cinco obras seriadas recentes que considero muito bem escritas:

1-     24 horas
2-     House
3-     À sete palmos
4-     Freeks and Geeks 
5-     Os Simpsons

Listar as séries mais bem escritas antes de mais nada é valorizar o trabalho de quem realmente cria o show, ou seja, o roteirista. Este profissional, por muito tempo relegado a segundo plano, tem recebido cada vez mais atenção por ser ele o responsável pela existência de filmes, séries, novelas e qualquer outra produção que necessite de roteirização. Um filme ou série pode até ter bons atores e uma boa direção, mas sem um bom roteiro dificilmente será um grande programa.

Aqui, a lista das cinco séries selecionadas pela associação de roteiristas e o link para ver a listagem completa.

1- Família Soprano
2- Seinfield
3- Além da imaginação
4- All in the family
5- M.A.S.H