quarta-feira, 21 de maio de 2014

Godzilla, o vândalo: o MMA de monstros e o espírito anárquico humano em tempos de Black Blocs


         Esqueça a destruição pela destruição, o novo filme do famigerado monstro japonês quer ser levado a sério e o estrago, dessa vez, vem contextualizado. Nada de destruir apenas para o deleite do público. Apesar disso também acontecer, a proposta deste longa-metragem, aparentemente, é outra. Depois das recentes tragédias vivenciadas pelo mundo contemporâneo (Torres Gêmeas, Tsunami, Fukushima) qualquer filme-catástrofe que se preze, precisa trazer algo a mais, que vá além do prazer de destruir. Portanto, agora os dramas são mais sérios, a trama mais realista dentro do possível e os desastres mais aliados ao lado humano.

            Para disfarçar o apelo fugaz às tragédias que retumbaram pelo mundo moderno e que serviram de referência para as cenas de ação, o roteiro foi construído de forma a levantar questões relevantes que fugissem do mero escapismo. Assim, as entrelinhas do texto abordam o medo mundial de um ataque nuclear, o medo dos E.U.A de sofrer um novo ataque externo e o medo da força da natureza, que alterada pelo homem, vem revelando sua faceta mais devastadora. Essa escrita baseada em medos humanos resgata, em parte, a simbologia oficial do Godzilla japonês. Para quem não sabe, o monstro foi criado em 1954 para burlar a censura dos norte-americanos que impediram os japoneses de falar sobre as bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki. O monstro, surgido de um vazamento de uma usina nuclear, era uma criativa metáfora da morte, da destruição e do luto sofridos pelos habitantes da terra do sol nascente.

            É perceptível, então, o esforço de toda a produção em criar um bom produto que vá além da diversão e que satisfaça não só os fãs do monstro, mas também os fãs de filmes-catástrofe, os cinéfilos e o espectador comum que vai ao cinema em busca de um entretenimento de qualidade. O elenco de nomes de peso como Bryan Cranston, Juliette Binoche, Sally Hawkins, David Strathain, Ken Watanabe e os jovens Aaron Taylor Johnson e Elizabeth Olsen demonstra o interesse de bons atores pelo filme que, certamente, viram no roteiro um vislumbre de boa ideia. A fotografia escura, sombria e, por vezes, esfumaçada, em tons de cores que confundem o monstro com os prédios e as pinceladas de vermelho que reforçam a evocação de um mundo apocalíptico crível é bastante interessante. O esforço também pode ser notado na construção de cenas que, se não entram para a história do cinema, ao menos são empolgantes, divertidas e bem construídas. A descida dos paraquedistas numa cidade desolada, o ataque ao trem que conduz uma ogiva, a destruição no Havaí numa referência clara aos icônicos filmes B e a chegada de Godzilla a São Francisco são exemplos de boas cenas que aliam efeitos especiais, emoção e diversão.

            Há ousadias atípicas ao cinema hollywoodiano como a falta de um protagonista evidente. Especificamente, ninguém carrega o filme nas costas. Nem o próprio monstro que intitula o filme, fato que tem gerado numerosas críticas ao trabalho do diretor novato Gareth Edwards do qual reclamam que o monstro é coadjuvante do próprio enredo. A falta de um protagonista, apesar de ser uma aposta arriscada, é curiosa e não atrapalha tanto quanto a montagem irregular do longa-metragem. Este sim, um problema que interfere diretamente no ritmo. Algumas cenas surgem isoladas dentro da narrativa e não são bem alinhavadas ao roteiro como um todo. Há ainda furos narrativos problemáticos que incomodam o espectador mais atento como, por exemplo, a iluminação das cidades atacadas que vai e volta o tempo todo ou as soluções fáceis quando crianças e animais estão em perigo. Mas, ok. Sejamos mais leves nas críticas, estamos falando de um filme hollywoodiano e não de uma obra felliniana.

            Transplantado pela segunda vez para a cultura norte-americana e apesar dos esforços empreendidos na realização da obra, Godzilla não esconde sua maior verdade: é um grande filme B de luxo. Tudo é muito bem pensado, mas não escapa aos rudimentos do passatempo mais fugaz. Isso fica evidente quando o drama familiar da primeira parte se dissipa totalmente para dar espaço ao descarado MMA de monstros que toma conta da parte final. Uma garota ao meu lado, durante a exibição do filme, se queixava ao namorado em tom de enfado: “Que droga! Cadê o monstro que não aparece?” Pois é, Godzilla é um longa-metragem de mais de 2 horas e o bicho só aparece depois de 1h de projeção. E o público de hoje, em sua maioria, não está a fim de ver entrelinhas narrativas criativas, originais ou históricas. O público de hoje, e principalmente o público-alvo de filmes como este, quer ver tiro, porrada e bomba. Pancadaria é o que importa.

É o nosso sentimento anárquico, numa concepção mais ampla da palavra, que é incitado (e excitado) o tempo todo na projeção do filme. Sabe aquela história de lançar um homem contra um leão no Coliseu diante de uma plateia vibrante e sedenta por sangue? Pois é, esse é o sentimento que domina o longa-metragem e que está presente na humanidade até hoje. Observemos as lutas de MMA que fazem tanto sucesso na televisão, as rinhas de galos e cães que acontecem às escondidas no interior de várias cidades, as touradas na Espanha ou mesmo a moda dos linchamentos em praça pública que tem tomado conta dos noticiários. Apesar de cada uma dessas situações terem propósitos e origens distintas, o que se desnuda em todas é a sedução lasciva pela violência sangrenta. Você pode até discordar, caro leitor, mas lembre-se de sua infância. Das brincadeiras um tanto cruéis com as quais se divertia. Aquela criança ainda vive em você, só foi lapidada com o tempo, ou não. A violência habita em nós de diversas maneiras e o cinema sabe disso e joga muito bem com isso. Não é à toa, que o público pareça somente despertar para a história quando o ringue de monstros começa. Quando isso acontece são urros, aplausos e gritos eufóricos. Drama humano? Para que isso? É chato. Certamente diriam alguns dos meus companheiros de sala de cinema.

            Assistindo Godzilla, e pensando sobre esse fascínio exercido pela violência no público, não pude deixar, como brasileiro, de fazer uma breve analogia com os Black Blocs que representam, de uma forma geral, esse nosso lado mais destrutivo. (Daí, o título engraçadinho desta postagem). Aí, você me pergunta: mas o que tem a ver uma coisa com a outra? Talvez, querido leitor, haja mais do que possamos imaginar. Sei que os Black Blocs têm uma ideologia que justifica os seus ataques, mas no fundo, creio eu (e você pode discordar), o que impera nesses comportamentos, de fato, é o nosso mais arraigado instinto de violência. Empreendemos violência por motivos políticos acreditando em mudanças, mas o que, inevitavelmente, se sobressai é a nossa raiva furiosa que está sempre pronta para emergir na forma de caos e destruição. É exatamente esse o raciocínio que Godzilla segue. Uma força bruta que hiberna e só desperta porque tem um motivo. (Não pude deixar de lembrar da hashtag mais célebre dos últimos tempos: “O gigante despertou”). A destruição que o monstro causa vem justificada tanto quanto possa ser justificada a ação violenta dos Black Blocs. Agora, na nova versão, o monstrengo é um predador, ou seja, ele precisa matar outros monstros para restaurar o equilíbrio da natureza. Ele destrói e mata na intenção de estabelecer a paz, não sem antes provocar uma “pequena” bagunça. Godzilla, em resumo, é um vândalo, palavra que caiu na boca do povo e que vem sendo utilizada com recorrência pela mídia em geral, principalmente, quando há investida dos Black Blocs pelos centro das cidades.

            A motivação de Godzilla, no entanto, atenta para um erro narrativo biológico, mas que gera uma reflexão bastante curiosa. A maioria dos predadores mata outro animal com o intuito de se alimentar, não matam por matar. O homem, sim, faz isso. Dessa vez, o descomunal bichano carrega uma alma humana que engloba tudo de bom e de ruim que isso possa significar. Na minha opinião, a representação mais marcante que o Godzilla de 2014 faz é a que está nos anseios da plateia de cinema que, tacitamente, sedenta por doses de violência, vai à uma sala escura para assistir pancadaria, destruição e caos e, por fim, se o filme dialoga com o público contemporâneo mundial, como dialogava com o Japão do pós-guerra, esse diálogo está na quase confidência de que a linha imaginária que separa monstros de humanos é cada vez mais tênue. (E desconfio que nunca tenha existido). Isso fica claro numa cena em que Godzilla, exausto da luta, desaba lentamente sobre prédios e, chegando ao chão, seus olhos fitam os olhos de um dos personagens humanos da história. Homem e monstro se reconhecem e, ali, por segundos, se tornam um só.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

4° Festival Adaptação



Com foco na relação entre cinema, roteiro e literatura, o Festival Adaptação retorna em sua quarta edição trazendo mesas-redondas, exibição de filmes, cursos de roteiro, entrevistas, bate-papos e muito mais. Neste ano, o tema principal do festival é o processo criativo. Haverá, portanto, uma mesa debatendo a criação cinematográfica na América Latina e uma discussão sobre as séries americanas, que vivem seu auge de criatividade. Entre os filmes exibidos, a pré-estreia do brasileiro "O lobo atrás da porta" e e o documentário "Os roteiristas". O festival acontece de 12 a 18 de maio no CCBB-RJ.

Programação no site do festival.

http://festivaladaptacao.com.br/2014/