segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"A pele que habito" e a indiferença do Oscar 2012

Sabemos muito bem que a premiação de melhores do ano do Oscar foi criada para massagear os egos dos norte-americanos e filmes estrangeiros geralmente são apenas premiados por educação. Sendo assim, não ser indicado à grande festa hollywoodiana não se trata de demérito, pelo contrário, existem milhares de produções muito boas que nem sequer são lembradas pela Academia do cinema americano, passam totalmente despercebidas. Esse é o caso de “A pele que habito”, que foi lembrado em várias premiações importantes mundo afora, mas foi solenemente ignorado por aquele que se considera o prêmio máximo do cinema.

A produção espanhola foi uma das mais sensacionais que assisti em 2011. Pedro Almodóvar é um dos poucos cineastas de nacionalidade não americana que consegue criar expectativa e empatia em torno de cada novo projeto que realiza, mesmo que seu público alvo seja bem específico. No filme em questão, o diretor entrega um trabalho simplesmente perfeito que lida com temas fortes e ousados, tais como ética, identidade sexual, corpo, solidão, poder, obsessão e violência. Não dá para falar muito sobre o enredo, pois o perigo de estragar o prazer de assisti-lo é muito grande. O que posso dizer a respeito é que se trata de uma história extremamente envolvente do começo ao fim. O cineasta nos conduz de forma excepcional para dentro do universo bizarro proposto por ele. O roteiro, baseado num livro de Thierry Jonquet chamado "Tarantula", tem claras inspirações em clássicos como “Frankenstein” e “O médico e o monstro” e é eficientemente concatenado, criando situações que vão a cada minuto da projeção nos surpreendendo. O filme é um misto de suspense, drama, romance, ficção científica e terror psicológico que fica até difícil rotulá-lo em apenas um gênero.

Em linhas gerais, conta-se a história de Robert Ledgard, interpretado brilhantemente por Antonio Banderas, um médico cirurgião plástico obcecado pela criação de uma pele artificial a qual ele vem desenvolvendo com perfeição desde o acidente de automóvel que queimou todo o corpo de sua esposa, há alguns anos no passado. A façanha precisa ser realizada clandestinamente, uma vez que subverte a ética médica. Para se ter uma ideia a criação da tal pele une DNA humano com DNA de porcos. Deu para perceber o tom bizarro da ideia? De fato, há algumas mensagens subliminares fortíssimas nessa criação. Daí em diante, somos levados num vai e vem no tempo que vai explicando tudo aquilo que num primeiro momento não conseguimos entender. Direção, roteiro, fotografia, montagem e trilha-sonora são executados com precisão cirúrgica, sem querer fazer trocadilhos. A impressão que fica é que Robert Ledgard é uma espécie de alter-ego do próprio Almodóvar: dois homens inteligentes que não abrem mão de suas identidades e obssessões.

“A pele que habito” é um filme cheio de entrelinhas e cabe a cada espectador fazer a sua leitura. O próprio título permite mais de uma interpretação. Almodóvar como um dos cineastas mais criativos em atividade no mundo (limitá-lo à Espanha seria um pecado) tem uma ideia muito clara do que quer deixar como legado para a posteridade: filmes que rasguem o modelo, as formas, os padrões pré-estabelecidos, ele quer um cinema que nos faça refletir, pensar e olhar para o mundo com outros olhos que não sejam os da obviedade. A arte que vai além do entretenimento não teria essas funções?

Angustiante, perturbador, bizarro, sádico, tenso, sexual, grandioso e por isso tudo, genial. E o Oscar, que se julga como um termômetro do que existe de bom no mundo (não é à toa que tem uma categoria intitulada "filme estrangeiro"), foi indiferente a tudo isso.

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