segunda-feira, 3 de março de 2014

O Oscar além da festa, dos luxos, dos egos inflados e da selfie

       
           O Oscar 2014 foi uma grande festa para os realizadores do filme “Gravidade”, longa-metragem blockbuster, que arrebatou nada mais, nada menos do que sete estatuetas. A maioria foi destinada às categorias técnicas, mas dentre elas, o cobiçado prêmio de melhor diretor para o mexicano Alfonso Cuarón. Pois é, um mexicano roubou a cena dos americanos. Não que os concorrentes de Cuarón fossem ruins, pelo contrário. Entre eles, havia um mestre do cinema, Martin Scorsese. Mas o seu excelente e divertido filme “O lobo de Wall Street” era bastante ácido para o comportamento conservador dos votantes da Academia de Cinema de Hollywood. A indicação, no entanto, por si só representou o reconhecimento de seu talento e, principalmente, de sua relevância para o cinema atual.

            Mas o que interessa aqui neste post, não é falar sobre quem venceu ou perdeu, mas sim tentar descobrir se há algo por detrás dos prêmios concedidos na noite do último domingo. Como cinéfilo, bem sei que o Oscar é pura politicagem. Premia seus atores mais icônicos com o propósito de eternizá-los no hall da fama, recompensa aqueles que demonstram talento mas sem que esqueçam de que é o dinheiro quem manda por aquelas paragens e reconhece produções e artistas estrangeiros com o único intuito de cooptá-los para sua prolífica indústria. Mesmo assim, quero acreditar que há algo que transcenda todo o luxo,  o desfile de moda, os egos inflados, as piadinhas de gosto duvidoso, os tombos de estrelas e o selfie retweetado milhões de vezes.

Ao premiar Alfonso Cuarón, os votantes conferiram a um latinoamericano o seu primeiro Oscar de melhor direção. O escritor mexicano Guillermo Arriaga responsável pelos roteiros dos filmes “Amores Brutos”, “21 Gramas” e “Babel” reconheceu em sua conta no Twitter a importância do prêmio: “Seja ou não seja Gravidade um filme mexicano, fez muito bem ao cinema mexicano esses Oscars”, disse o entusiasmado roteirista. O fato é que, quando os norte-americanos premiam um habitante de terras vizinhas com um prêmio tão importante quanto o Oscar, preconceitos e fronteiras passam a ser atenuados, mesmo que inconscientemente. Não se trata de bondade ou favor, mas de reconhecimento. Os mexicanos, vistos como sustentáculos da combalida economia americana, tem no Oscar de Cuarón uma valorização de sua importância na cultura americana não somente como esteios das engrenagens econômicas, mas também por seu talento artístico. É como se o cineasta vencedor dissesse: “Nós somos capazes de muito mais”. Eu quero acreditar nisso.

            Seguindo nessa linha de raciocínio, podemos pensar no prêmio destinado a Lupita Nyong`o (foto acima), que fez bonito com sua atuação em “Doze anos de escravidão”, não deixando espaço para as concorrentes. Nascida no México (sim, mais uma mexicana no Oscar), a atriz foi criada no Quênia (os pais são quenianos) e, posteriormente, foi para os Estados Unidos onde passou a viver. Ao vencer na categoria de atriz coadjuvante e erguer os braços para o público com a estatueta dourada em mãos, Lupita não só venceu as barreiras geográficas impostas por anos de história, como também venceu as barreiras raciais. Exagero meu? Pode ser. Mas quero continuar acreditando nisso.

            “Doze anos de escravidão”, que levou o prêmio de melhor filme, atestou esse interesse da Acadêmica de Cinema em laurear produções que abordem questões de temática difícil de ser digerida. Nas últimas décadas, o reconhecimento dos negros na cultura norte-americana vem sendo feito por via da reflexão artística. “O mordomo da Casa Branca”, outro filme recente sobre o mesmo assunto, apesar de sentimentalista, passou a limpo a história de lutas e sofrimentos do negro na América até a chegada de Barack Obama à presidência. É como se o país inteiro pedisse desculpas pelas atrocidades cometidas no passado e com esse movimento tentasse diminuir o racismo ainda existente nas terras do Tim Sam. Pode parecer ingenuidade minha, mas toda vez que um filme com a temática de “12 anos de escravidão” é festejado numa premiação como o Oscar ou toda vez que atores e atrizes negros são agraciados com o prêmio, sinto como se o preconceito racial abrandasse um pouco mais. Eu quero realmente acreditar nisso.

            Não podemos esquecer dos prêmios de melhor ator para um revigorado Matthew McCounaghey e de ator coadjuvante para um transformado Jared Leto. Ambos estrelando o mesmo filme “Clube de Compras Dallas” e retratando questões polêmicas que muitas vezes são jogadas para debaixo do tapete pelo mundo conservador: a Aids e o mundo dos travestis. E o que dizer do prêmio para Cate Blanchett? Bom, ela era carta marcada. Mas seu papel em “Blue Jasmine”, filme de Woody Allen, é um retrato desses tempos modernos. A Jasmine de Blanchett é a imagem do desespero do ser humano contemporâneo que em busca de status acaba enlouquecendo. Nesses prêmios há um jogo duplo: ganham os artistas pela coragem com que se lançam em seus papéis, deixando de lado toda a vaidade. Mas também ganham as temáticas abordadas, o tapa na cara, o soco no estômago, que incomoda as plateias do mundo inteiro e derruba toda a hipocrisia. Faço menção também ao prêmio de melhor roteiro original para "Ela" de Spike Jonze, uma história consonante com os melancólicos tempos atuais e os rumos que os sentimentos estão tomando em meio a tanta tecnologia disponível.

            E os sete Oscars para "Gravidade"? Seria apenas pura massagem no soberbo ego dos americanos que se autocongratulam por sua capacidade de fazer bons filmes de entretenimento (muitas vezes sem estofo intelectual), o que no caso do filme de Cuarón tornou-se uma exceção? Não, quero acreditar que há algo mais. Quero acreditar que premiando "Gravidade", antes de tudo, premia-se a ficção científica, um gênero que por excelência discorre sobre a vida, sobre a existência, sobre a nossa condição humana, atualmente tão devastada por todo tipo de violência. Se a arte tem o poder de nos fazer refletir, pensar e, quiçá, mudar, os filmes premiados pelo Oscar, talvez repercutam pelo mundo levando mensagens que desnudem aquilo que muitos de nós, muitas vezes (ou na maioria das vezes), não quer ver ou finge não ver: a complexidade e a diversidade do ser humano.

O Oscar, considerado o maior prêmio do cinema, é exibido em mais de 80 países no mundo todo, não seria difícil pensar no impacto que uma estatueta dourada poderia causar mundo afora. Muitos dos filmes indicados, com a exceção do filme de Alfonso Cuarón que teve uma alta campanha de marketing, passariam despercebidos pelas salas de cinema. Porém, ao serem mencionados pelo Oscar, ganharam projeção mundial e suas narrativas atravessaram oceanos entrando na vida e nas mentes dos mais distintos grupos de pessoas. Pode parecer devaneio meu, mas eu quero acreditar que sim, que apesar do jogo nem sempre muito nobre engendrado pelos organizadores da premiação, há algo muito maior e significativo quando se ganha um Oscar.

And the Oscar goes to...

Filme: 12 anos de escravidão
Direção: Alfonso Cuarón (Gravidade)
Ator: Matthew McCounaghey (Clube de Compras Dallas)
Atriz: Cate Blanchett (Blue Jasmine)
Ator Coadjuvante: Jared Leto (Clube de Compras Dallas)
Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong`o (12 anos de escravidão)
Roteiro original: Ela
Roteiro adaptado: 12 anos de escravidão
Trilha-sonora: Gravidade
Montagem: Gravidade
Fotografia: Gravidade
Efeitos especiais: Gravidade
Edição de som: Gravidade
Efeitos sonoros: Gravidade
Canção: Let it go (Frozen)
Curta-animação: Mr. Hublot
Longa de animação: Frozen (Disney)
Design de produção: O Grande Gatsby
Figurino: O Grande Gatsby
Filme estrangeiro: A Grande Beleza (Itália)
Documentário: A um passo do estrelato
Documentário (curta): The lady in number 6

Curta-megragem: Helium

P.S: Não posso esquecer a lembrança a Eduardo Coutinho nas homenagens aos mortos. Morto recentemente, o cineasta brasileiro foi de grande importância para a nossa cinematografia. Ao lembrar dele, os organizadores do Oscar demonstraram o quanto estão de olho em nosso cinema.


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