quinta-feira, 6 de março de 2014

A Grande Beleza - O 14º longa-metragem italiano vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro



              Depois que saí de uma sessão do filme “A Grande Beleza” foi difícil definir em poucas palavras o que o filme representou para mim. Levei alguns dias relembrando as cenas assistidas, os personagens que transitaram pela tela e as frases proferidas. Pareceu-me uma daquelas viagens que fazemos e, depois de retornarmos, tentamos lembrar dos detalhes para saber se, de fato, ela foi boa. À primeira vista, não considerei o filme de fácil compreensão. É o tipo de trabalho que exige do público olhos atentos e perscrutadores. E isso, não é ruim. Certo de que cada pessoa poderá tirar suas próprias impressões da obra, eis as minhas.

      O filme do cineasta Paolo Sorrentino, um dos expoentes do cinema italiano contemporâneo, nos faz embarcar numa narrativa de imagens belíssimas de uma Roma que insiste em não deixar de lado seu passado de grandeza e beleza. É neste cenário que conhecemos Jep Gambardella, um homem de 65 anos que transita pela alta sociedade romana freqüentando festas, eventos e quaisquer outras interações sociais. Autor de apenas um livro, o protagonista vive de sua fama pregressa e mantém sua agitada vida social entrevistando novos artistas que vêm se destacando no cenário das artes e chamando a atenção da crítica especializada.

            O cineasta, ao lançar seu personagem em meio a um enredo cheio de contrastes e contradições, faz com que o público também reflita sobre aquilo que está vendo. E ao refletirmos, sentimos o mesmo que Gambardella está sentindo: um certo desconforto. Diante dos cenários exuberantes de Roma, que habitam o imaginário de todo viajante, encontramos um homem desacreditado do mundo e das pessoas. Isso pode ser observado em suas conversas com amigos as quais não poupa ninguém com suas opiniões diretas e mordazes. Jep é um sujeito paradoxal, ao mesmo tempo em que critica o mundo em que vive e os rumos que Roma tomou (uma crítica direta a era de Silvio Berlusconi), ele usufrui de tudo aquilo que menospreza. Em certo momento, ele tece comentário ácido sobre a sociedade mundana para, logo em seguida, afirmar que queria ser o "rei dos mundanos". As cenas construídas demonstram todo o tédio que envolve o comportamento e o pensamento do homem misantropo. Somos apresentados a uma elite envelhecida, fútil, banal, que se entrega à festas regadas a álcool e a conversas sobre a vida alheia. É uma visão desencantada do ser humano e uma crítica contundente dos caminhos medíocres que o mundo vem percorrendo. A cena em que Jep observa um navio afundado (foto acima) é inserida no filme para lembrarmos da tragédia do Costa Concordia, navio que naufragou na Itália em 2012 matando mais de trinta pessoas. Após o naufrágio, o comandante, que deveria zelar pela tripulação e pelos passageiros, fugiu. Foi um inteligente enxerto feito pelo cineasta para falar do comportamento humano vigente e totalmente coerente com a realidade vivida e observada pelo protagonista.

            Jep Gambardella é um acerto do roteiro de Sorrentino, escrito em parceria com Umberto Contanello, e que na interpretação do ator Toni Sevillo encontra a sua performance perfeita. Jep tem um ar perdido desenhado no rosto, parece inconformado, mas ao mesmo tempo resignado com o mundo vulgar ao qual pertence. Pelos amigos, é cobrado o tempo todo para que escreva um novo livro, mas argumenta, dizendo que não encontra mais beleza na vida e, por isso, não consegue escrever. No filme, as palavras ditas, ganham força nas imagens mostradas. Quando caminha por Roma, o escritor não deixa de observar o contraste entre a magnitude dos monumentos históricos e a decadência humana que se formou em torno deles. E é nesse jogo entre grandeza e medianidade, expressividade e inexpressividade, singularidade e decadência que o filme nos leva até o fim. Vivendo de entrevistar novos artistas, o escritor se vê diante de uma arte inusitada, como a garota masoquista que, nua, se atira contra uma parede até sangrar ou a menina furiosa que lança tintas sobre uma tela com a birra de uma criança própria de sua idade. Ao final, todos aplaudem efusivamente. Aqui temos um dos principais pontos de reflexão do filme: num mundo no qual qualquer pessoa pode ser artista, o que é arte hoje em dia?

            “A Grande Beleza” é uma produção de muitas camadas, de muitos simbolismos, muitas cenas interessantes e muitos questionamentos, o que dá ao espectador numerosas possibilidades de reflexão. Dentre tantos olhares que o filme lança para a vida contemporânea (incluindo um estranho olhar sobre a religião), na minha opinião, a grande crítica  feita é a já conhecida ideia de que a beleza é apenas um momento, algo passageiro como a vida, mas que nós, seres mortais, parecemos nos esquecer constantemente. É da essência do belo ser efêmero e é nisso que reside toda a tragédia. Não é à toa que Gambardella fique preso a uma memória de seu passado, quando ainda jovem descobre o amor e o desejo por uma garota ou quando é convidado a assistir uma exposição de um fotógrafo, que registrou num mosaico fotos de seu rosto desde o nascimento até os dias atuais, e com essa experiência tem a prova cabal de que o tempo corrói tudo e que toda beleza humana, um dia, se dissipará

            No último domingo, “A Grande Beleza” recebeu o Oscar de melhor filme estrangeiro, o 14º destinado a um filme italiano. Abaixo, uma listinha com os quatorze vencedores. Um bom começo para conhecer um pouco mais do cinema italiano. Fica a dica.


1-     Vítimas da Tormenta – Vittorio de Sica
2-     Ladrões de Bicicleta – Vittorio de Sica
3-     Três Dias de Amor – René Clément
4-     Brinquedo Proibido – René Clément
5-     A Estrada da Vida – Federico Fellini
6-     Noites de Cabíria – Federico Fellini
7-     8 ½  - Federico Fellini
8-     Inquérito a um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita – Elio Petri
9-     O Jardim dos Finzi-Contini – Vittorio de Sica
10-  Amarcord – Federico Fellini
11-  Cinema Paradiso – Giuseppe Tornatore
12-  Mediterrâneo – Gabriele Salvatores
13-  A vida é Bela – Roberto Benigni
14-  A Grande Beleza – Paolo Sorrentino



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