terça-feira, 3 de junho de 2014

Taxi Driver: uma narrativa sobre solidão e violência

A rede de cinemas Cinemark está com uma programação de clássicos imperdíveis. A partir do dia 31 de maio, começou a exibir filmes como Pulp Fiction, Laranja Mecânica, Bonequinha de luxo, entre outros. A iniciativa é muito interessante por reavivar a memória do público frequentador de cinema, muito mais acostumado às refilmagens de clássicos do que ao visionamento dos próprios. E ainda é uma excelente oportunidade para assistir a grandes filmes em tela grande com som e imagem de alta qualidade. Para a estreia, o Clássicos Cinemark escolheu "Taxi Driver", um filme de Martin Scorsese que é uma jornada de solidão e violência numa Nova York longe da imagem vendida em cartões-postais. Eis a minha crítica.


Um homem solitário e com problemas de insônia se candidata a uma vaga de emprego para ser taxista noturno na cidade de Nova York. Assim, resolve dois problemas pessoais de uma só vez. Sua solidão encontra a companhia de milhares de estranhos que tomam um táxi durante as noites e sua insônia crônica encontra uma ocupação que a torna menos ociosa. Perambulando pelas ruas novaiorquinas, Travis Bickle, um homem de hábitos soturnos, interpretado brilhantemente por um jovem Robert De Niro, assiste, diante do para-brisa de seu veículo, uma cidade suja, degradada, excludente e violenta. Aos poucos, vamos conhecendo mais sobre sua personalidade introvertida e nesse processo revelador, a contradição de seu caráter se revela marcante. Ao mesmo tempo em que faz um discurso preconceituoso de higienização da cidade de Nova York, o misantropo homem torna-se obcecado em salvar uma prostituta adolescente a qual ele acha que está sendo explorada por um aliciador de menores. Sua inconstância fica ainda mais evidente quando se apaixona por uma bela mulher que trabalha na campanha do senador Palantine. Ao ser rejeitado por ela, Travis passa a planejar o assassinato do político. Sem sucesso, devido ao forte esquema de segurança, canaliza toda a sua fúria e psicopatia para o banho de sangue que promove num prostíbulo ao final da história.

Taxi Driver é um filme de 1976, dirigido por Martin Scorsese, à época, um jovem cineasta americano. O filme acabou agradando a crítica especializada, fez boa bilheteria e com o tempo ganhou ares de cult. Catapultou os nomes de Scorsese, De Niro e de Jodie Foster ao mundo. Hoje em dia, é considerado uma obra-prima do cinema americano. É claro, que apesar de todos os elogios, o filme também sofreu duras críticas por seu conteúdo violento e Scorsese teve que atenuar a cena do tiroteio final, diminuindo a intensidade do vermelho do sangue das vítimas. Todo o alarde em torno do longa-metragem não é, e nem foi, em vão. Taxi Driver entrou para história por trazer um panorama do comportamento do norte-americano explicitado em suas obsessões, vícios e insensibilidade.

Travis Bickle é um homem sem expectativas e sem adaptação ao famigerado estilo de vida americano. Ao discursar diante de um político alegando que negros, prostitutas, drogados e gays deveriam ser eliminados da cidade, o personagem com seu posicionamento extremamente preconceituoso revela uma crítica de si mesmo. Ele se exclui do mundo em que vive, criticando-o fortemente, mas é tão "vítima" do sistema em que vive quanto aqueles que gostaria que desaparecessem da face da terra. As nuances desse icônico personagem são bastante relevantes, uma vez que dão conta da alienação de muitos americanos representada na obsessão por filmes pornográficos. De tanto assisti-los, Travis perde o tato para qualquer tipo de relacionamento, chegando ao absurdo de convidar sua pretensão amorosa para assistir a um filme pornô no primeiro encontro. O afeto existe, mas revela-se bastante distorcido. Outras críticas comportamentais do americano comum vão surgindo ao longo da projeção como o fascínio por armas de fogo. Ao comprar uma arma, o taxista fica fascinado pela maleta do vendedor cheia de diversos modelos de diversos calibres, ao final da cena, fecha negócio levando a maleta inteira.


O final do filme foi tão contraditório quanto a personalidade de seu protagonista. Após um grande bang-bang, Travis aparece novamente como taxista, agora, aclamado como herói pelos jornais. Betsy, a mulher que ele amava, aparece adentrando o táxi e expressando em seu semblante um ar de satisfação, como se a partir daquele momento passasse a ver Travis com outros olhos. Aqui, o heroísmo ganha duplo sentido confundindo o espectador que, sem maiores esclarecimentos, não sabe se está diante de um herói imaginário, fruto do próprio pensamento doentio do personagem, ou se está diante da ironia do cineasta, que ao colocar Travis como herói referendado pela mídia está fazendo uma critica ao comportamento do americano que leva figuras violentas e psicóticas como Travis ao patamar de herói. 

Taxi Driver recebeu a Palma de Ouro em Cannes e várias indicações aos maiores prêmios da sétima arte, incluindo o Oscar. Jodie Foster ganhou reconhecimento prematuro aos 14 anos por interpretar a jovem prostituta, papel considerado difícil para sua idade. E Cybill Shepherd, como alvo da obsessão de Travis, no auge de sua beleza, teve um dos seus papéis mais célebres. Em sua metragem, o longa-metragem ainda traz uma cena clássica quando Travis, alucinado, com uma arma em punho, se indaga várias vezes diante do espelho, como se falasse diretamente para nós, espectadores: “Are you talkin´to me?” (Você está falando comigo?). O que fica óbvio, após a exibição desta obra, é que estamos diante de uma narrativa que investiga a solidão humana e suas consequências. O que nos faz concluir que, de forma opressiva, a solidão pode ser capaz de levar qualquer homem à loucura. Muitas vezes, manifestada na forma de atos violentos.

Abaixo, foto dos bastidores de "Taxi Driver". Martin Scorsese conversa com Robert De Niro dentro de um supermercado, cenário de uma cena importante do filme.


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