Em entrevista à revista americana American Cinematographer, o diretor de
fotografia Roger Deakins revelou que Angelina Jolie utilizou como referência para seu novo trabalho de direção cinematográfica o longa-metragem A colina dos homens perdidos (The Hill) de Sidney Lumet, filme de 1965
estrelado pelo ator Sean Connery. O crítico Luiz Carlos Merten do Estadão,
também reparou na semelhança entre o filme de Jolie e o longa-metragem
japonês Furyo- Em nome da honra (Merry
Christmas, Mr. Lawrence) do diretor
Nagisa Oshima, uma produção de 1983 protagonizada pelo cantor David Bowie. No
entanto, para mim, a maior inspiração da cineasta/atriz, em seu segundo trabalho
como cineasta (o primeiro foi Na terra de amor e ódio de 2011), foi a Bíblia. Sim, isso mesmo. O livro sagrado parece ter sido a
base da construção da narrativa de Invencível, principalmente, no que se relaciona ao seu
heroico protagonista.
Louis Zamperini foi um atleta olímpico que acabou
escalado para a Segunda Guerra Mundial. Após a queda de um avião em pleno alto-mar, ele e mais dois companheiros ficaram à deriva por 47 dias. Para sua infeliz sorte, eles foram encontrados pelos soldados japoneses e a partir de então tornaram-se prisioneiros de guerra. O Louis, imaginado por Angelina e seus produtores, assemelha-se a Jesus Cristo em seu
calvário, isso fica nítido da segunda parte do filme em diante quando
o personagem é preso e torturado. Em terras nipônicas, Zamperini é surrado
ostensivamente e é obrigado a trabalhar a contragosto numa mina de carvão,
carregando volumosos baldes nas costas como um Cristo que carrega a
sua cruz. O prisioneiro sofre toda uma série de violências que vão
desde humilhações públicas - quando, debilitado fisicamente, é obrigado a correr
como um atleta olímpico tornando-se alvo das gargalhadas dos soldados
japoneses - até ataques físicos deflagrados por seu algoz com requintes de
masoquismo. A analogia com Cristo fica ainda mais explícita quando em momento
derradeiro da projeção, o protagonista precisa levantar uma onerosa viga de
madeira acima da cabeça. Num teste de resistência, ele precisa se manter assim
por um longo tempo sob às ordens do oficial/vilão Watanabe, interpretado de forma canhestra pelo ator Miyavi. A cena revela o rosto
sujo e extenuado do personagem iluminado pelo sol e, se nos atermos à sombra
que se forma no chão, poderemos vislumbrar, por breves segundos, uma imagem análoga à uma cruz, formada da junção do corpo do homem com o pedaço de madeira. Louis é
um homem crucificado pela guerra, sua jornada de vida foi de provação e a semelhança com a via crucis de Jesus Cristo não foi mera coincidência. Não é à toa, que essa cena foi utilizada como foto para estampar um dos pôsteres
de divulgação da produção. A essência cristã permeia grande parte do filme.
Esse viés religioso surge entrelaçado à temática da esperança, da superação e da sobrevivência, temas caros aos norteamericanos. Isso não seria um problema, se Angelina Jolie não investisse em um
sentimentalismo barato e lacrimoso e em diálogos de autoajuda que não deixariam
nada a desejar aos livros de Augusto Cury. Frases como “Você pode fazer isso,
basta acreditar”, muito me lembrou o “Querer é poder” da 'nossa' rainha dos
baixinhos. Jolie emula um pouco de Steven Spilberg (quando o cineasta
realiza dramas) e Clint Eastwood, mas ainda não possui a criatividade pop do
primeiro e a elegância e bom senso do segundo. As cenas de tortura são excessivas e desnecessárias. É difícil imaginar que alguém tão violentamente espancando no rosto, por tantas vezes, não fique com nenhuma deformação posterior; Mas isso é esquecido pela produção do filme. Se você não for um fã ardoroso
da atriz, perceberá que Invencível é
um filme falho que apela o tempo todo para as emoções mais superficiais da
plateia.
Apesar de seus problemas, o filme tem seus méritos. Belas cenas estampam diversas passagens do longa-metragem. A fotografia de Roger Deakins (indicada ao Oscar 2015) nos ajuda a acompanhar a narrativa com maior interesse e deleite, se é que isso é possível diante de tantas cenas cruéis. É um trabalho esforçado, não há como negar. E ninguém
poderá acusar Angelina Jolie de comodismo. Estrela da mais alta patente
hollywoodiana, ela poderia se contentar com os milhões que recebe por encarnar
heroínas de filmes de ação, mas preferiu se arriscar, ao longo de sua carreira,
em produções menores, papéis ousados e, agora, se arrisca na direção de seus
próprios filmes. A famosa atriz recebeu apoio de todos os lados para que Invencível se tornasse uma grande obra.
Direção de fotografia de Roger Deakins (já mencionada neste texto), roteiro dos
célebres irmãos Coen, trilha-sonora de Alexandre Desplat, música-tema do grupo
Coldplay e um orçamento de 65 milhões de dólares à sua disposição, mostraram o
quanto o estúdio que bancou a história acreditou na assinatura de Jolie
como diretora. Não fez feio, o filme foi um sucesso nos E.U.A.
Mas o que mais chama a nossa atenção nessa segunda investida da atriz na direção foi a atuação dedicada do desconhecido Jack O`Connell que interpreta Louis Zamperini. Ele é o maior trunfo desse projeto. O
personagem, certamente, exigiu bastante física e emocionalmente do ator britânico
que teve que mudar seu sotaque para falar com sotaque do inglês americano. Uma performance que merecia ser lembrada no Oscar 2015, já que uma das intenções óbvias dessa obra, além de fazer boa bilheteria e comover o público, era essa: receber indicações ao prêmio máximo do cinema americano e catapultar a
carreira de Angelina Jolie como cineasta. Não foi dessa vez. O filme recebeu
apenas quatro indicações, sendo todas em categorias técnicas. (Fotografia,
roteiro adaptado, som e edição de som). Entre pontos positivos e negativos, se há algo que Invencível nos provoca, além do choro fácil, é a reflexão do quanto
o homem pode ser estúpido. Não há pior criação humana que a guerra e Angelina
Jolie nos mostra isso o tempo todo ao longo dos 137 minutos de duração dessa narrativa. Mas isso, em geral, todo filme de guerra nos faz refletir.
Angelina Jolie e o verdadeiro Louis Zamperini falecido
em 2014 antes da estreia do filme.
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