Tenho
me distanciado cada vez mais do cinemão americano, os chamados blockbusters têm me
deixado cada vez mais entediado, seja pela repetição formulaica ou seja pelo excesso
e valorização dos efeitos especiais em detrimento do que é humano. O cinema
americano, para quem não se deslumbra facilmente, tem sido muito mais fonte de
enfado do que de prazer. Mas, de vez em quando, dou um voto de confiança a este
cinema de que vos falo. Meu crédito em relação ao cinema de Hollywood
é dado da seguinte forma: quando o cinema é de origem independente, ou seja,
sem o apoio dos grandes estúdios. Assim cito: Tarantino, Malick, Woody Allen, os irmãos Coen, Martin Scorsese, entre outros. E também quando observo um esforço coletivo de fazer de um
programa de entretenimento algo que vá além dos limites de um produto comercial.
Neste caso, cito nomes como Christopher Nolan, que transformou o Batman num negócio
lucrativo sem deixar que o viés artístico ficasse perdido no meio de tanta
arrogância presunçosa que recorrentemente permeia cada frame de um filme
que provém das terras do tio Sam. Outros pertencentes a este seleto grupo: Michael Mann e David Fincher. Só para citar alguns.
Como
cinéfilo curioso, tenho a mania de acompanhar pelos sites especializados em
cinema a produção de filmes que de alguma forma chamam a minha atenção. Este
foi o caso do novo filme do Superman, que acabei de assistir recentemente nos
cinemas. Depois de uma tentativa frustrada de trazer o personagem novamente às
telas em 2006 e diante do sucesso da nova trilogia do Batman, que definitivamente
estabeleceu novos padrões para as adaptações de HQs, um novo filme do mais icônico
dos super-heróis teria que ser pensado. Foi com esta linha de raciocínio que os
executivos de Hollywood resolveram dar sinal verde para uma outra produção do
herói de colante azul e sunga vermelha que, desta vez, ao contrário do que já fora feito, deveria estabelecer caminhos alternativos para a história do célebre herói
criado há 75 anos atrás pela DC Comics e que até hoje faz parte da cultura pop de forma expressiva.
O
longa-metragem dirigido por Zach Snyder, que ficou famoso no mundo pelo sucesso
comercial de “300” - estrelado pelo brasileiro Rodrigo Santoro - e também
baseado numa história em quadrinhos chamada “Os 300 de Esparta” de Frank Miller,
precisava ser diferente de tudo o que já foi feito no cinema em matéria de
Superman e para isso recebeu todo o apoio necessário para que fosse,
assim como Batman, algo além do famigerado entretenimento fugaz. Assim, encontramos
em “O Homem de aço” mudanças bastante significativas. O uniforme é a mais visível
das transformações: muito menos bizarro, faz parte da estratégia de fazer do
personagem algo mais realista, apesar de todo o cunho fantástico inerente à
história, e dessa forma conquistar não somente crianças e jovens, mas também um
público mais adulto interessado em nuances mais profundas e menos pueris. A piada da vez, no mundo cinematográfico, é
que agora, finalmente, o super homem aprendeu a vestir a cueca por baixo da calça. Brincadeiras à parte, dentre todas as modificações, a mais elogiável, segundo meu ponto de vista, está na
personalidade do novo Superman. Agora, muito mais complexa, o herói se permite
a atos, digamos, não tão nobres.
O
filme definitivamente é um dos melhores do herói. Cumpre seu papel de bom
entretenimento a contento. A boa construção narrativa que vai se fragmentando
para mostrar a história do personagem criado pelo casal Kent até que ele assuma
a identidade secreta de Clark Kent, jornalista do Planeta Diário, foi uma boa
sacada do roteiro que dosou em iguais proporções aventura, ficção científica e drama. Não foi sem
querer, que chamaram Christopher Nolan para dar um apoio na escrita e fazer
algo semelhante ao que realizou em “O cavaleiro das trevas”. Há também as boas
atuações: o ator escolhido para fazer o personagem principal, o ex-desconhecido
Henry Cavill, dá conta do recado nos momentos mais importantes e de carga dramática
mais forte e vem apoiado por um elenco de coadjuvantes de luxo que dão todo um
charme a produção. Entre eles:
Russell Crowe, Diane Lane, Kevin Coster, Amy Adams e Laurence Fishbourne.
Em “O
Homem de aço” tudo é milimetricamente calculado para agradar
as grandes massas e fazer do filme uma grande bilheteria mundial. Mas algo me
desagrada em filmes como este. O argumento de trazer o personagem para as novas
gerações me parece uma desculpa bem esfarrapada para nos iludir com efeitos
especiais de primeira linha que, num primeiro olhar, realmente embasbaca, mas
num olhar mais imersivo acaba por revelar a superficialidade de produções
calcadas neste argumento. Tirando a primeira parte inicial do filme, a película, em geral, se atém muito mais no show pirotécnico, que
mais cansa do que encanta. A sensação que tenho é que a todo o momento, a indústria
do cinema quer mostrar ao seu público (e ao mundo) a força bélica e destrutiva de seu próprio país. Numa palestra
que assisti recentemente, um ilustrador mostrava a evolução do carro do Batman
ao longo das décadas. De um simples e engraçado bólido nos moldes de carro de
corrida, o batmóvel se transformou em algo semelhante a um tanque de guerra na versão
mais recente vista nos cinemas. O mesmo pude observar nesta nova versão do
Superman. Antes, o herói simplesmente movia-se no céu e no espaço alimentando
um dos sonhos impossíveis mais inerentes ao ser humano: o desejo de voar. Na versão recente, o Superman voa feito um míssil. Numa das cenas é até possível
vislumbrar, ante ao voo, algo como se turbinas fossem ser disparadas do corpo
do personagem. Nunca a analogia do universo dos super-heróis com o universo de uma guerra ficou tão
evidente como nestas épocas em que vivemos. O exagero destrutivo do final do
filme comprova isto que aqui escrevo. Cidades inteiras são destruídas
num piscar de olhos sem que haja a preocupação com as vidas que são
desperdiçadas. Para mim, a mensagem está clara: para
conquistarmos a paz, antes é necessária a guerra. Será mesmo? E de que tipo de paz estamos falando?
Na
minha humilde opinião, que neste pequeno texto já extrapola seus limites, os
Estados Unidos vem utilizando o seu fabuloso cinema para incutir na cabeça, principalmente de
seus jovens, a ideia da guerra e a celebração da destruição como algo positivo,
e com isso, quando quiserem invadir um país com o intuito de sobrepôr uma cultura
sobre a outra, ganharão um séquito admirável que lhes permitirão agir. Como você
acha que o ex-presidente George W. Bush invadiu o Afeganistão e gastou bilhões
com uma guerra sem resultados? Há algo por trás de tudo isso, engrenagens muito
mais ardilosas do que poderíamos supor e talvez e, infelizmente, o cinema faça
parte disso tudo. É uma grande discussão. No entanto, deixo para uma próxima
ocasião.
Abaixo uma evolução do Superman ao longo das décadas. Versões audiovisuais.