Até que ponto o amor não seria uma ilusão, algo inventado
pelo homem para ocupar nossas mentes e que no decorrer do tempo foi se
entranhando em nossas vidas de forma que mal compreendemos os porquês desse
sentimento? Desde o Romantismo, o mundo ocidental foi lançado num emaranhado de
situações idílicas e sublimes que nos fez alimentar o desejo de que, em algum
momento de nossa existência, amaríamos e seríamos amados. Em tese, essa relação de
completude pelo amor estaria relacionada à uma ideia de perfeição. Ao encontrarmos
o outro, a tal cara-metade, nos tornaríamos perfeitos, plenamente felizes e realizados. O Romantismo como movimento que dominou as
artes no século XIX ficou para trás. No entanto, suas marcas permaneceram indeléveis até hoje. É desse amor romântico desdobrado em uma
felicidade pertencente apenas ao plano das idéias, sem relação alguma
com a realidade, que provém os sentimentos mais contraditórios e consternantes. Certa vez, li algo que dizia que a idealização é a irmã
siamesa da frustração. Nada mais sábio poderia ser dito sobre o amor romântico.
Depois desse preâmbulo analítico, me atenho ao filme “Amores
Imaginários” do jovem cineasta canadense Xavier Dolan. O rapaz de apenas 24 anos é dono de um estilo que vem marcando sua recente filmografia. Ele escreveu
seu primeiro roteiro aos 16 anos e aos dezenove filmou seu primeiro trabalho intitulado
“Eu matei minha mãe” (recomendadíssimo) laureado com três prêmios do Festival de Cannes. Recentemente, lançou seu terceiro filme chamado “Lawrence
Anyways” (Filme que ainda não assisti). Todos os longas-metragens que realizou foram selecionados para
festivais e chamou a atenção da critica mundial. Isso só aconteceu porque Dolan
é um daqueles diretores que ao modo Tarantino, Almodóvar e Woody Allen faz da tessitura de seus filmes um trabalho bem particular. Dia desses, conversando com uma amiga, ela me perguntou
qual dos dois primeiros filmes do Xavier Dolan eu gostava mais. Fiquei num
impasse, pois acho os dois filmes muito bons, diferente da crítica
especializada que elogiou muito o primeiro filme e dividiu opiniões com o
segundo. Eis que vos escrevo sobre a experiência de assistir "Amores Imaginários".
A película tem um roteiro bastante trivial. Trata-se de um
triângulo amoroso no qual dois grandes amigos, Marie (Monia Chokri) e Francis
(Xavier Dolan) se apaixonam pela mesma pessoa, o jovem Nicolas (Niels Schneider),
um rapaz enigmático que não se sabe ao certo sobre sua orientação sexual. Tanto os protagonistas como nós, expectadores, ficamos sem saber se ele corresponde aos interesses da dupla. Também não fica claro se o desejado sabe dos planos dos desejantes e dessa forma estaria jogando com o sentimento alheio a seu bel-prazer. Durante a projeção acompanhamos a jornada dos dois amigos na missão
de conquistar a atenção e quem sabe o amor do moço de cabelos loiros
encaracolados, que ora parece pender para um lado, ora para o outro, sem nunca
deixar clara as suas reais intenções, se é que ele as têm.
A grande sacada desse jovem cineasta/ator/roteirista é
justamente tragar o seu expectador para dentro do universo desses amigos enamorados. Por isso, o abuso de cores durante toda a projeção é uma marca
constante. Desde as roupas que usam até os cenários tudo vem destacado em cores
fortes que dão o tom ora apaixonado, ora dramático que as cenas exigem. A
fotografia é belíssima e realça os exageros da busca amorosa. Lembrei-me, com
as devidas diferenças, do filme “Moulin Rouge” de Baz Luhrmann que, junto aos
seus diretores de fotografia e arte, criou um mundo de cores desmedidas para falar do amor romântico. O Moulin Rouge é todo demasiadamente excessivo. A
estilização de “Amores Imaginários” é um trabalho semelhante. O roteiro é
essencialmente visual, ou seja, a imagem tem mais poder que a palavra. A
narrativa trata do mundo de fantasias no qual os apaixonados chafurdam a alma
sem pensar em conseqüências. Todo mundo que já se apaixonou alguma vez na vida
sabe do que estou falando aqui. Para um apaixonado, o mundo é outro. Tudo ganha
um contorno diferente. Os cinco sentidos ficam apurados de um jeito bastante
peculiar. O diretor aproveita-se dessas sensações confusas para nos entregar um filme no qual gestos, silêncios, respirações e intimidades dizem muito sobre nós mesmos e sobre o amor. É nesse estranho mundo, vivido por aqueles que se apaixonam perdidamente,
que Xavier Dolan está dando enfoque. Daí, esse universo criado para o
longa-metragem ser artificial, idílico, onírico, teatral e colorido. E o
comportamento dos dois amigos que brigam pela atenção de Nicolas ser
individualista, egoísta, histérico e até meio bobo.
Boa parte da crítica
especializada viu nessa representação dos personagens algo vazio. Para esses críticos, o diretor fez um retrato estúpido da juventude, um trabalho empobrecido
de criatividade que se apoiou apenas em referências do cinema para criar um filme estiloso. Outros (incluo-me entre esses), viram justamente o contrário.
As referências estão inevitavelmente lá e em boa parte é resultado da mente cinéfila
de Xavier Dolan. Cenas que lembram “Jules e Jim” (clássico de Truffaut) e “Os
sonhadores” de Bernardo Bertolucci, citações à “Bonequinha de luxo”, referência
ao estilo poético de fazer cinema de Wong Kar-Wai, tudo isso permeia a obra.
Mas não vejo nisso um sinal de empobrecimento e sim de conhecimento. A
construção de um estilo por meio de referências é algo bastante recorrente em
jovens cineastas no mundo contemporâneo.
A grande temática do filme é a idealização do amor e por
isso a câmera do realizador tenta representar a todo o momento o olhar do apaixonado. Por isso, as disputas da dupla beiram às brigas infantis algo que fica evidente
na banal cena em que se engalfinham no campo durante uma viagem que fazem
juntos. A obsessão leva o entusiasta do amor a ver a pessoa desejada por um
viés de encantamento e perfeição. Daí a comparação feita com a estátua de Davi durante uma
sequência do filme na qual se contrapõe a imagem de Nicolas com o reflexo da famosa obra de Michelangelo. O amor tem dessas coisas, trata-se de um arrebatamento
inexplicável. Decorrente desses excessos do sentimentalismo amoroso, o exagero torna-se uma das marcas do longa-metragem assim como é do amor platônico. Assim temos, durante toda a projeção do filme, muita câmera lenta, músicas tocando a todo o momento,
abuso de cores, caras e bocas em excesso, cenas repetitivas. Tudo isso pode
ser interpretado como algo que colabore para o mau andamento do filme, mas para uma história que aborda a dimensão excessiva do mundo dos apaixonados, a meu ver, tudo
se encaixou de forma bastante competente.
Além da história desse triângulo amoroso imaginário que
norteia o filme, o enredo é entremeado de momentos em que Marie e Francis se
encontram com estranhos. As cenas são apresentadas em cores fortes que tomam
toda a tela (vermelho, amarelo, azul e verde) e ao fundo ouvimos a música clássica
de Bach. O contraste entre a música pungente e a coloração intensa concede à
cena um tom dramático e melancólico resultante da frustração dos protagonistas
que procuram no sexo sem compromisso a válvula de escape para o sentimento
doloroso da paixão não correspondida.
“Amores Imaginários” tem um viés de comédia romântica e
pode ser visto como uma fábula sobre o amor que alimentamos por alguém e que
muitas vezes está longe de ser recíproco. Muitas vezes nos apaixonamos por uma ideia de
amor e não necessariamente pela pessoa objeto dessa adoração. É aí que reside o perigo das relações amorosas. O filme é uma experiência visual
cinematográfica, que pode ser boa para alguns ou entediante para outras. Tudo
vai depender da forma como cada um captará as mensagens que ali estão
presentes. A produção ainda vem permeada por declarações de estranhos que em
tom documental falam sobre suas decepções amorosas. Nessas cenas que
interrompem a narrativa, frustração, dor, decepção, humilhação e vergonha são
sentimentos que tomam conta dos ex-apaixonados, assim como será inevitavelmente
para os nossos dois protagonistas que numa bela cena final dividem o mesmo
guarda-chuvas.
Amores Imaginários
(Les Amours Imaginaires - Canadá / 2010)
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan
Elenco: Xavier Dolan, Monia Chokri, Niels Schneider e Anne Dorval.
Duração: 95 minutos